O Acordo de Não-Persecução Penal (ANPP) é uma importante inovação trazida pelo Pacote Anticrime, que entrou em vigor no ano de 2020. Essa medida oferece uma alternativa ao processo penal tradicional, permitindo que o Acusado evite a instauração de uma persecução penal em determinadas situações, desde que cumpridos certos requisitos.
O ANPP tem se mostrado uma ferramenta eficiente tanto para pessoas físicas quanto para representantes de pessoas jurídicas, uma vez que proporciona uma abordagem mais efetiva na resolução de conflitos, sem que seja necessário recorrer ao processo penal, o qual poderá ser longo e mais oneroso ao Acusado e ao Poder Público.
Neste artigo, exploraremos como funciona o Acordo de Não-Persecução Penal, seus requisitos essenciais e benefícios – tanto para os Acusados quanto para o sistema de justiça. Além disso, iremos ilustrar a aplicação do ANPP com um estudo de caso real, oferecendo uma visão prática e detalhada de como essa medida pode ser uma estratégia eficaz e benéfica.
Acordo de Não-Persecução Penal: o que é e como funciona?
O Acordo de Não-Persecução Penal (ANPP) é uma alternativa ao processo penal tradicional, que ocorre antes do início da Ação Penal. Ele é celebrado entre o Ministério Público (MP) e a pessoa investigada, que possui o direito de estar acompanhada por um advogado. O objetivo da ANPP é evitar o processo judicial, desde que a pessoa acusada cumpra condições específicas negociadas previamente.
Esse instituto foi incluído no Código de Processo Penal (CPP) pela Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime. E, por mais que possa parecer que o ANPP beneficie apenas o Acusado, ele também é pensado para conceder vantagens ao sistema de Justiça como um todo. Por exemplo:
- Para o Estado: evita onerar o sistema Judiciário com inúmeros e longos processos judiciais, oferecendo uma solução mais rápida e eficiente para crimes considerados menos graves e garantindo a recomposição do dano provocado à vítima e à sociedade
- Para o Investigado: ele cumpre condições impostas pelo MP, ao invés de correr o risco de ser condenado no âmbito de um processo penal, o que resulta em um impacto mais brando na sua vida pessoal e profissional.
No Acordo de Não-Persecução Penal não há um julgamento com sentença de culpa ou inocência; ao invés disso, as partes negociam condições que o Acusado deve cumprir para que tenha sua punibilidade extinta antes mesmo do início do processo criminal.
Por exemplo, o Acusado poderá celebrar acordo no qual fique obrigado a pagar uma quantia estipulada a título de reparação ao dano causado ou cumprir exigências que sejam determinadas pelo representante do Ministério Público.
Assim, caso as condições sejam cumpridas corretamente, o processo não segue adiante.
O ANPP se diferencia de outras soluções da Justiça criminal; seu objetivo é possibilitar que o Acusado cumpra com condições que evitem o processo judicial. Já no caso da Transação Penal, o Investigado aceita cumprir uma pena sem ser preso, como o pagamento de multa. E, na Suspensão Condicional do Processo, o processo judicial é iniciado, mas é “pausado” sob certas condições.
Portanto, conclui-se que nos casos de crimes de baixo a médio potencial ofensivo, o ANPP promove soluções mais eficazes, reduz custos e evita punições desproporcionais, além de descarregar o Judiciário, reservando julgamentos mais complexos para casos mais severos. Dessa forma, o ANPP contribui para uma Justiça mais eficiente e humanizada.
Quem está elegível para o Acordo de Não-Persecução Penal? Entenda os requisitos
Para que o Acordo de Não-Persecução Penal (ANPP) seja aplicado, é necessário atender a critérios específicos previstos no artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP). As condições são:
- Crimes sem violência ou grave ameaça;
- Pena mínima inferior a 4 anos;
- Réu primário, que não possua conduta criminal habitual, reiterada ou profissional;
- Não ter sido beneficiado, nos últimos 5 anos, com o ANPP, a transação penal ou a suspensão condicional do processo;
- Quando não for cabível a transação penal, no caso em concreto;
- Desde que não se trate de crimes cometidos no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões de condição de sexo feminino (feminicídio); e
- Confissão formal do crime.
É importante ressaltar que, segundo o entendimento jurisprudencial consolidado, recentemente, pelo Supremo Tribunal Federal o ANPP também deverá ser aplicado, de forma retroativa, a todas Ações Penais em trâmite quando da entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), desde que não tenha havido o trânsito em julgado do feito
Como se vê, os requisitos estabelecidos garantem que o Acordo de Não-Persecução Penal seja aplicado de modo responsável, focando em crimes menos graves e promovendo agilidade na Justiça, sem comprometer a segurança pública. É uma forma de equilibrar os benefícios ao Acusado e a eficiência ao sistema jurídico.
Como é feito o Acordo de Não-Persecução Penal?
O Acordo de Não-Persecução Penal segue uma série de etapas antes de ser aplicado. Esse procedimento garante que os critérios legais sejam cumpridos e que o acordo seja homologado corretamente. Confira o passo a passo:
- Investigação e proposta pelo Ministério Público: o processo inicia com a análise do caso pelo MP, que verifica se os requisitos legais para o ANPP estão presentes.
- Conferência de antecedentes criminais: a Folha de Antecedentes Criminais (FAC) do investigado é adicionada ao processo. Caso haja registros, é incluída também a Certidão de Antecedentes Criminais (CAC).
- Homologação pelo juiz: após a formalização do caso entre o Ministério Público, o Acusado e seu advogado, o Juiz analisa as condições do acordo celebrado para verificar se estão adequadas. Caso as condições sejam consideradas abusivas ou insuficientes, o acordo pode ser devolvido ao MP para os devidos ajustes.
- Cumprimento das condições: depois de homologado, o Investigado deve cumprir as condições acordadas, que podem incluir:
- Prestação de serviços comunitários;
- Prestação pecuniária;
- Outras exigências indicadas pelo Ministério Público.
Após o cumprimento do acordo, a extinção da punibilidade do agente é declarada e os autos são arquivados, encerrando definitivamente o caso. Com essa sequência de etapas, garante-se que o ANPP seja aplicado de maneira justa e eficiente.
Vantagens do Acordo de Não-Persecução Penal: entenda os benefícios
O Acordo de Não-Persecução Penal traz vantagens tanto para o Acusado quanto para o sistema judicial, tendo sido criado para reduzir a sobrecarga do Judiciário e tratar casos de crimes menos graves de forma eficiente e justa. Entenda os principais benefícios:
- Mais agilidade no processo: o ANPP permite que o Judiciário possa focar em casos mais graves, evitando ações penais mais longas e onerosas
- Redução de custos: evitando processos longos e complexos, há economia dos recursos públicos
- Menor sobrecarga judicial: diminuir a quantidade de ações penais auxilia a desafogar os Tribunais e aprimorar o funcionamento da justiça
- Evita a prisão: evita que o réu seja condenado ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade ou, até mesmo, restritivas de direitos em razão da prática de crimes menos graves.
- Reintegração social: permite que o Acusado se reintegre à sociedade sem a influência de uma condenação penal formal
- Sem vestígio nos antecedentes: o ANPP não deixa registros na folha de antecedentes criminais, com exceção em casos específicos, como a verificação de reincidência em acordos futuros
O ANPP é uma alternativa que beneficia todas as partes envolvidas, promovendo eficiência e justiça, especialmente para crimes de menor gravidade.
Estudo de Caso: O Acordo de Não-Persecução Penal e a necessidade de anulação da Ação Penal pelo seu oferecimento tardio
Abordaremos nesse estudo de caso a atuação jurídica do nosso escritório, Burg Advogados, em um processo criminal na 1ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Minas Gerais. Por questões de privacidade, evitaremos a menção de nomes e detalhes que possam identificar o Acusado.
O pedido de Habeas Corpus
Em agosto de 2024, os advogados Dr. Daniel Allan Burg e a Dra. Beatriz Callegari Romano apresentaram um pedido de Habeas Corpus em favor do Acusado, argumentando que irregularidades no processo prejudicaram o direito à defesa. A questão central girava em torno do Acordo de Não-Persecução Penal.
O Habeas Corpus é um instrumento processual (remédio constitucional) utilizado com o intuito de proteger alguém de constrangimentos ilegais aptos a ameaçar sua liberdade de ir e vir.
No caso do Acusado, a Defesa identificou que ele atendia aos requisitos para o ANPP. Contudo, o Ministério Público (MP) não ofereceu o acordo no momento apropriado, o que levou ao início de uma Ação Penal que poderia ter sido evitada.
O problema do caso
O réu recebeu uma acusação pelo Ministério Público, em maio de 2021, sobre envolvimento em irregularidades em contratos administrativos, supostamente cometendo crimes relacionados à Lei de Licitações (Lei n° 8.666/1993). A questão é que o MP não propôs o ANPP antes disso, somente após o início do processo. Após pedido da Defesa, o MP se manifestou favoravelmente ao acordo, requerendo, ao Meritíssimo(MM). Juízo, a designação de Audiência para oferecê-lo.
Com isso os advogados do Acusado pediram a anulação da decisão que havia recebido a denúncia ofertada em desfavor do seu cliente, ou seja, a anulação da Ação Penal desde o início, uma vez que o processo não deveria ter começado sem que a possibilidade de ANPP fosse analisada. Contudo, o Juiz negou esse pedido e manteve a Audiência marcada para oferecimento do acordo, sem anular o recebimento da denúncia.
Recurso ao Tribunal de Justiça
Diante da negativa do Juiz, a Defesa impetrou um Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, requerendo:
- A suspensão do processo: foi solicitada uma liminar para paralisar o andamento do processo e, principalmente, da audiência marcada para o mês de setembro de 2024, até o julgamento do pedido principal do Habeas Corpus
- A anulação da Ação Penal desde o recebimento da denúncia, pois uma persecução penal não pode subsistir quando cabível o Acordo de Não Persecução Penal.
No mês de agosto de 2024, o Desembargador Relator, integrante da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, concedeu a liminar para suspensão do feito e consequente cancelamento da Audiência marcada. Ele considerou que os argumentos da Defesa estavam de acordo com decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulavam processos em casos de oferta tardia do ANPP. E levou em consideração, também, a urgência do caso, uma vez que a proximidade da audiência justificava a paralisação temporária da Ação Penal.
Resolução do caso
Após a análise definitiva pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o Habeas Corpus foi concedido ao Acusado. A decisão determinou a anulação completa da Ação Penal para que o Ministério Público pudesse propor o Acordo de Não-Persecução Penal, respeitando os direitos do Acusado de não responder uma Ação Penal quando cabível o benefício em questão.
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O Acordo de Não-Persecução Penal é uma ferramenta de grande importância para soluções eficientes e justas em situações de menor gravidade, mas sua aplicação inadequada pode gerar prejuízos significativos para todos os envolvidos nos casos.
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